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BEM-VINDA À VIDA
Chegada emocionante
Servente aposentada Anita Gonçalves faz um parto na vizinha orientada pelo celular por um soldado do Corpo de Bombeiros

Anita Gonçalves de Brito, 47 anos, não sabe como terminou o filme a que assistia por volta da 0h40min de sábado, na TV Globo, em sua casa em São José, na Grande Florianópolis. A noite dela, no entanto, teve um roteiro mais interessante e um final surpreendente. Acabou com um bebê nas mãos, que a servente aposentada ajudou a colocar no mundo, seguindo as instruções de um bombeiro, pelo celular.

O filme Mate-me de Prazer, uma mistura de romance com suspense, foi interrompido pelo vizinho. Era Ismael Machado dos Santos, 26 anos, que batia na janela. O olhar de preocupado do conhecido deixou Nita, já deitada, em alerta. A mulher dele, Sirlene Fernandes, 32 anos, estava em casa, em trabalho de parto.

O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) foi acionado por Ismael. Com as ambulâncias em outras ocorrências, a atendente do Samu procurou tranquilizar o casal. Ele, pai de primeira viagem, ela, mãe de terceira. Ainda demoraria para o bebê sair.

Quando Nita chegou à casa não foi bem isso o que viu. Pernas travadas e bolsa estourada. A criança não queria mais esperar. O pai não sabia o que fazer, corria de um lado para o outro. Nita foi para casa, ligar para o Corpo de Bombeiros.

Do outro lado da linha, atendeu o soldado Valdemar Vieira Neto, 38 anos, 16 de corporação. Àquela altura da noite, ele já tinha recebido todos os tipos de ocorrência – de acidentes de trânsito a picadas de abelhas. Um parto não passava pela sua cabeça. Uma voz de mulher pedia ajuda. A vizinha estava prestes a ter um bebê.

Sem perspectiva de chegada da ambulância do Samu e dos Bombeiros, que também atendia outra ocorrência, Nita deveria ser a parteira. O soldado Neto passaria as instruções do parto pelo telefone. A aposentada, muito nervosa, pegou o celular, ligou novamente para o bombeiro e correu para a casa do casal.

Sirlei estava sentada na cama – não deu tempo de deitar –, a cabecinha do bebê já aparecia.

– Segurei a criança e comecei a gritar para o bombeiro que o bebê estava nascendo!

Neto pedia o tempo todo muita calma. Ele sabia o que estava falando. O bombeiro já tinha feito quatro partos, embora nenhum por telefone. O soldado também participou de um curso no Centro Obstétrico do Hospital Universitário.

– Ninguém faz um parto, ele acontece naturalmente. É preciso só seguir algumas instruções. O bebê vai sendo expelido, não é preciso puxar a criança – observa.

Foi o que a aposentada fez. Um lençol limpo em mãos, um coração acelerado e ela estava pronta.

– Na hora de retirar o bebê de dentro da mãe, pedi só para ela verificar se o cordão umbilical não estava enrolado no pescoço. Mas disse que depois um médico o cortaria – relembra Neto.

 

Depois da emoção, o alívio com a chegada dos médicos

A menina saiu às 0h48min, quase sem sangue, e foi envolta no lençol. Nita foi instruída a desobstruir o nariz e a boca do bebê, que precisava chorar. Depois, veio o chorinho de quem não fazia a mínima ideia do que estava acontecendo. Veio o choro do pai, que abraçou a filha emocionado, veio o choro da aposentada, que não acreditava ainda no que havia feito e que agradecia o tempo todo o soldado prestativo do outro lado da linha. A mãe mantinha uma calma inabalável. Há 10 anos já passara por isso, o filho do meio também nasceu em casa.

O bebê precisava ser aquecido. Um cobertor foi colocado em cima dele.

– Fiquei preocupada de novo, porque ela começou a ficar roxinha, achava que ela não estava bem – conta Nita.

O soldado, no entanto, tranquilizou-a mais uma vez. Era assim mesmo, agora era esperar a equipe médica, que estava a caminho.

A aposentada ainda ajudou o médico a cortar o cordão umbilical. Sirlene, Ismael e a menina recém-nascida foram levados para a maternidade do Hospital Regional, em São José. Retornam hoje para casa.

Nita ainda não acredita no que aconteceu. Sábado nem dormiu, tamanha felicidade:

– Eu ria sozinha e chorava ao mesmo tempo. Trazer alguém pra vida é a alegria maior do mundo. Mas sei que sem ajuda do soldado não conseguiria.

julia.antunes@diario.com.br

JÚLIA ANTUNES LORENÇO  | São José
 

 

 
 
Coluna Pelo Estado 25_01 Entrevista Roberto d'Ávila/CFM

“O SUS é um belo projeto, ainda não concluído por falta de recurso”

Com três décadas de atuação em Santa Catarina , Roberto Luiz d'Ávila, presidente do Conselho Federal de Medicina, fala sobre a expectativa em torno da regulamentação do ato médico pelo Congresso Nacional.

QUEM É Novo presidente do Conselho Federal de Medicina, é cardiologista, médico do trabalho e professor da Universidade Federal de Santa Catarina.

FORMAÇÃO Graduado em Medicina pela UFRJ, mestre em Neurociência e Comportamento pela UFSC e, atualmente, aluno do Doutorado em Bioética, pela Universidade do Porto.

 

[Pelo Estado] – Qual o avanço na legislação do ato médico que está no Senado?

Roberto d'Ávila – A grande conquista que a proposta traz para o País é a garantia de que o diagnóstico de um problema de saúde e de que o tratamento para enfrentá-lo, assim como a realização de procedimentos invasivos capazes de gerar risco de vida, sejam realizados por um médico. Quando adoecemos queremos ser atendidos por médicos. Quando nossos filhos, pais e irmãos adoecem, queremos que um médico investigue as causas do problema e nos oriente sobre o que fazer. Com a ampliação e especialização dos diferentes campos do conhecimento, logicamente que outros profissionais podem participar na recuperação da saúde dos pacientes. No entanto, cabe ao médico fazer o diagnóstico e o tratamento das doenças, pela sua formação profissional e pela credibilidade e confiança atribuídas a ele pelos pacientes. Por outro lado, a legislação será também um instrumento de aperfeiçoamento do próprio SUS, ao exigir que os gestores, em todas as esferas, federal, estadual e municipal, contem com médicos em suas equipes. Esta é uma maneira de enfrentar a iniquidade do acesso à saúde, evitando que apenas recebam orientação de profissionais da Medicina aqueles que têm recursos para pagar uma consulta ou um plano privado de saúde.

 

[PE] – Outras categorias da saúde criticam a nova lei porque estabeleceria a tutela dos médicos sobre os demais...

RA – Temos assistido através da mídia a manifestação desfavorável de alguns setores com relação ao texto que tramita no Senado. Para tanto, usam argumentos infundados, distorcidos, que confundem e geram polêmicas desnecessárias. Entre os equívocos, está a interpretação de que os médicos agirão de forma corporativista e usurparão prerrogativas de outras categorias. Ora, pelo contrário, o texto valoriza o espaço de enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos, biólogos, biomédicos, farmacêuticos, fonoaudiólogos, profissionais de educação física, terapeutas ocupacionais e técnicos e tecnólogos de radiologia, entre outros. Esses profissionais poderão participar ativamente das ações de promoção da saúde, de prevenção de doenças e da reabilitação dos enfermos e pessoas que vivem com deficiências.

[PE] – Como o sr. avalia a inclusão de novos serviços no rol dos planos de saúde?

RA – A ampliação do rol de procedimentos foi um avanço. Devemos reconhecer que a Agência Nacional de Saúde Suplementar tem buscado ampliar a cobertura assistencial oferecida pelos planos e seguradoras. No entanto, na nossa avaliação, esta ampliação ainda é tímida. Calculamos que há ainda outros cerca de 400 procedimentos que podem ser incorporados pelo rol monitorado pela ANS. Afinal, quem tem plano de saúde, paga por ele, deve ter a certeza de que, se precisar de assistência médica, terá a resposta que espera.

[PE] – Os reajustes aos médicos têm sido proporcionais aos dos planos?

RA – A lei que regulou a atuação dos planos de saúde só beneficiou os pacientes e não cuidou dos profissionais. Iniciaremos uma campanha pela valorização do trabalho, com remuneração digna a ser paga pelas operadoras. Não é possível as operadoras aumentarem as mensalidade todos os anos, em percentual que tem variado, na última década, de 7% a 12%, sem colocar em suas planilhas de custo o reajuste da despesa com os médicos. Continuamos com quase o mesmo patamar de remuneração - por consulta e procedimento - de 10 anos atrás. Queremos negociar. Mas se as operadoras se recusarem a fazer acordos e não melhorarem a remuneração, faremos um grande movimento nacional para as empresas nos pagarem dignamente.


[PE] – Qual sua avaliação do SUS?

RA – Certamente temos alcançado vários avanços no campo da saúde, mas há sérios problemas que precisam ser enfrentados sob pena de comprometer a assistência oferecida à população. O Sistema Único de Saúde é um belo projeto, ainda não concluído, porque faltam financiamento e gestão adequados. O SUS apenas se tornará o SUS sonhado quando contar com recursos compatíveis com sua grandeza.

[PE] – Tem alguma coisa a reparar sobre o modelo de saúde em SC? Alguma especificidade em relação ao Brasil?

RA – O sistema de saúde de SC, comparado com o de outros estados, é muito bom. O Programa Saúde da Família funciona bem em vários municípios, inclusive em Florianópolis. É evidente que temos problemas com a superlotação das emergências dos hospitais nas grandes cidades, mas não chega ao caos de outros estados. É do conhecimento de todos que os médicos da rede estadual conseguiram no ano passado um plano de cargos, carreiras e salários com discreta melhoria salarial. Assim, mesmo sendo exceção, SC ainda precisa de mais recursos para a saúde.