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Mundo | SAÚDE
Doença misteriosa na América Central
Problema que afeta os rins já matou mais de 24 mil pessoas desde 2000


Jesus Ignácio Flores começou a trabalhar aos 16 anos. Passava longas horas em obras e canaviais. Há três anos, os rins começaram a falhar. Enchiam o corpo de toxinas. Depois de uma rápida agonia, morreu em casa, aos 51 anos. “Seus últimos quatro meses foram problemáticos, e o último, pior. ‘Estou me queimando’, ele dizia”, lembra a mulher, Gloria Mayorga. “Não parava de soluçar, não dormia, tinha calafrios, dor de cabeça, perdeu o apetite. Vomitava a água e os alimentos que comia. Formaram-se bolhas na boca, ficou cego, não urinava e, nos últimos dias falava sozinho e delirava, Foi um inferno!”, diz Gloria.

Quando Jesus morreu, os colegas do canavial continuaram a trabalhar. Durante o velório, à noite, os tratores da usina de açúcar recolhiam a cana cortada. Ao longe, escutava-se o rugir dos moinhos que moíam a cana e resplandeciam as luzes das suas instalações em Chichigalpa, um povoado na região açucareira da Nicaragua, onde um em cada quatro homens apresenta sintomas de uma deficiência renal crônica, de acordo com estudos realizados.

Uma misteriosa doença está atingindo o litoral da América Central. Já matou mais de 24 mil pessoas em El Salvador e Nicaragua desde 2000 e afeta outros países em proporções jamais vistas.

Os cientistas acreditam que os problemas se espalharam do Sul do México até o Panamá. Muitas das vítimas são trabalhadores dos canaviais do litoral. Pacientes, médicos e ativistas dizem que os causadores da doença são as substâncias químicas que os trabalhadores usaram ao longo dos anos sem que houvesse algum tipo de proteção.

Busca por evidências
Mas cientistas sinalizam que o tipo de trabalho pode estar relacionado à epidemia: longas jornadas, sob altas temperaturas, sem beber quantidade suficiente de água, submetendo o corpo a constantes desidratações e insolações. Muitos tinham começado a trabalhar aos dez anos. A rotina desgastante parece ser um dos detonadores da deficiência renal crônica, uma doença associada normalmente com o diabetes e a hipertensão, dois males que não costumam aparecer nos pacientes centro-americanos”, diz Daniel Brooks, professor de epidemiologia da Universidade de Boston.

Não surgiram provas solidas do papel dos pesticidas e de outras substâncias químicas. “Acredito que não são os pesticidas”, diz a epidemiologista Catharina Wesseling, diretora regional do Programa sobre Trabalho, Saúde e Meio Ambiente da América Central. “Eu apostaria nas reiteradas desidratações, quase diárias”.

A opinião é compartilhada pelo nefrologista Richard Johnson, da Universidade do Colorado, em Denver. “Há evidências que respaldam isto. Há outras formas de lesionar os rins: metais pesados, químicos, toxinas. Considerou-se tudo, mas não há explicações concretas para o que acontece na Nicarágua. As desidratações recorrentes ganham força como causa.”

O problema vem se repetindo em outros países. Na Costa Rica têm sido registrado um grande aumento nas doenças renais, lembra Wesseling. Os números também tem avançado no Panamá, porém em menor grau.